12.9.14

Tudo tão ausente

         Voltando do jantar, olho a janela da sala, que deixei com a luz acesa, e vejo a silhueta da cortina.
         O jantar nem mereceria esse nome. Foi, como tem sido nesses meses, um momento em que coloco à minha frente um prato de comida e me obrigo a esvaziá-lo. Nem sei ao certo o gosto, escolho do buffet coisas conhecidas para não ter a desagradável surpresa de ser desperto de minha distração por um sabor ruim, que me torne atento ao prato, à mesa, à cadeira vazia diante da minha.
         Comer tem sido uma experiência de olhar o nada, mover maxilares, engolir - até que o garfo raspe o prato numa inócua procura metálica por migalhas que já não existam.
         Tomo um gole de água, pago a conta e saio pela rua numa forçada curiosidade pela vida das pessoas: concentrar-me nos movimentos dos outros aliena-me da ausência ao meu lado. Ao meu lado esquerdo - sempre ao meu lado esquerdo...
         Então é chegar em casa, um pouco de televisão no quarto, e um afundamento na escuridão, disfarçada pelo sono leve e que o dia dissipa com claridade, sem jamais eliminar-lhe o peso.
         E todas noites há a janela, a cortina: a sombra do puxador cruzando o tecido em obediente diagonal aprendida na repetição meticulosa de todas as tardes - quando a rua não mais lhe interessava e você cerrava o tecido.
         Olhar essa cortina, que não mais se mexe; esse puxador, que há meses não se cansa da diagonal; perceber esse silêncio submisso de ambos, a não reclamarem coisa alguma, faz-me parecer que jamais saberei novamente um jantar, que jamais sairei dessa casa - tudo tão ausente na sua ensurdecedora ausência.

         Isso me parece a eternidade.

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