23.5.14

Não é o homem

         A luz não é o homem que controla. Às vezes, ela fica acesa a noite toda, esquecida pelo dedo displicente que não a emudeceu no interruptor, criando uma massa de claridade indiscreta a vigiar-lhe o sono. Mas não cabe ao homem reclamar: não é para ele que a luz existe ou deixa de existir.
         O tempo não é o homem que controla. Às vezes, uma noite calma e estrelada desaba-se numa torrente de chuva e vento a surpreender-lhe o sono num imprevisto sorrateiro e silencioso. Nisso ao menos o homem se iguala aos outros homens: chuva, frio, calor, vento entrecruzam conversas e humores à revelia de opiniões alheias.
         A noite não é o homem que controla. Às vezes, ela se adianta e cai sobre o mundo numa sofreguidão de trevas. Outras vezes, aninha-se pouco a pouco no céu, deixando-o esmaecer lentamente o azul e impondo-se numa crescente penumbra aveludada.
         O silêncio não é o homem que controla. Às vezes, nada lhe perturba o sono. Mas isso é raro: quase sempre há a histeria de pneus ou o desespero de uma buzina ou o uivo desconsolado de um cão entregue a uma solidão não pedida.
         O seu canto, não é o homem que o controla. Nessa noite será aqui - tem sido aqui há várias noites -, mas acontece de os homens colocarem obstáculos ao canto que lhe serve às noites, ou escalarem homens para tirar-lhe o canto sob bicos de coturnos. Ao homem cabe somente calar-se e se retirar.
         Retirar-se e sair à procura.
         Não faltarão noites, não faltarão cantos onde caiba o comprimento de papelão que o abriga - e ali ele possa aninhar-se e cerrar olhos.
         Pois, quando o sono chega, é incontrolável.

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