A luz não
é o
homem que controla. Às vezes, ela fica acesa a noite toda,
esquecida pelo dedo displicente que não
a emudeceu no interruptor, criando uma massa de claridade indiscreta a
vigiar-lhe o sono. Mas não cabe ao homem reclamar: não
é para
ele que a luz existe ou deixa de existir.
O tempo não
é o
homem que controla. Às vezes, uma noite calma e estrelada
desaba-se numa torrente de chuva e vento a surpreender-lhe o sono num
imprevisto sorrateiro e silencioso. Nisso ao menos o homem se iguala aos outros
homens: chuva, frio, calor, vento entrecruzam conversas e humores à revelia
de opiniões alheias.
A noite não
é o
homem que controla. Às vezes, ela se adianta e cai sobre o
mundo numa sofreguidão de trevas. Outras vezes, aninha-se
pouco a pouco no céu, deixando-o esmaecer lentamente o
azul e impondo-se numa crescente penumbra aveludada.
O silêncio
não é o
homem que controla. Às vezes, nada lhe perturba o sono.
Mas isso é raro: quase sempre há a
histeria de pneus ou o desespero de uma buzina ou o uivo desconsolado de um cão
entregue a uma solidão não
pedida.
O seu canto, não
é o
homem que o controla. Nessa noite será aqui
- tem sido aqui há várias
noites -, mas acontece de os homens colocarem obstáculos
ao canto que lhe serve às noites, ou escalarem homens para
tirar-lhe o canto sob bicos de coturnos. Ao homem cabe somente calar-se e se
retirar.
Retirar-se e sair à procura.
Não
faltarão noites, não
faltarão cantos onde caiba o comprimento de
papelão que o abriga - e ali ele possa
aninhar-se e cerrar olhos.
Pois, quando o sono chega, é incontrolável.
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