7.4.11

Casa vazia

O estrado da cama e o colchão foram as últimas coisas a saírem.
Por cerca de três horas, foi uma confusão de pés a se moverem pela casa; de vozes a se entrechocarem e a se alimentarem num eco cada vez maior pelos cômodos cada vez mais vazios.
Ontem à noite, as paredes do quarto assistiram minha insônia por causa de uma tosse ritmada; e agora olham, nuas, o teto, que parece mais branco, espiam o chão, que parece mais amplo.
É tudo tão mais claro e largo numa casa vazia.
Vejo, nas paredes, cicatrizes que eu não percebia. Passo a mão na úmida frialdade de um bolor que, escondido, crescia num silêncio monástico. Mutilados espelhos de tomadas escancaram-me suas dores, sufocadas em secos gritos atrás de um móvel qualquer.
Amanhã ou depois, um homem virá, jogará tinta branca sobre todas as paredes e ninguém mais poderá me ver nelas.
Caminho lentamente pelos aposentos, e ainda assim o som dos meus passos é monólogo a martelar despedida pelo ambiente.
No banheiro, o chuveiro é corpo descarnado sem a promessa de água a lhe escorrer pelos poros. Nos quartos, as janelas cerradas murmuram a lamúria de uma penumbra. Nos tetos, as lâmpadas resignam-se, ao terem amordaçados os seus discursos de luz.
É tão sombria a claridade de uma casa nua.
Meus móveis, minhas roupas caminham agora pela cidade, chacoalhando apertados dentro de um caminhão. Numa cúmplice mudez de anos, levam a mim mesmo.
Daqui a pouco, vou povoar outras paredes - túmulos recém caiados de outras vozes.