27.2.13

Estátuas


         Compadeço-me da penúria da vida das estátuas - homens moldados a cobre ou pedra, filhos nascidos já órfãos, gerados e gestados na lentidão de um útero feito de dedos e cinzel.
         Compadeço-me com a espera permanente de seus dias e noites: o que mais podem alcançar senão a vida perenemente suspensa numa respiração de fôlego único?
         Basta-me olhá-las nos olhos, crispados no espanto de se acharem ocos, para sabê-las tristes.
         As orelhas prontas a todos os sons, que não ouvem e que apenas ricocheteiam na dureza de seus ouvidos, reverberando, na massa compacta de seus cérebros, o ininteligível mundo que as rodeia.
         Apiedo-me com a perpétua posição a que são condenadas: o desejo de um movimento traído à socapa pela vontade fria do escultor.
         Imagino-lhes a força descomunal ao tentarem se erguer, ou sentar-se, ou girar sobre os calcanhares, que às vezes lhes faltam. Também essa espera a lhes preencher dias e noites: o instante em que a rigidez se descuidará e o vento as moldará num sopro despretensioso.
         As bocas, seladas num mutismo de censura, pregam um discurso sibilado pelo ar que lhes esfrega as faces.
         Os estômagos congelados sofrem de saciedade - sensação estranha a quem nunca sentiu fome.
         No início, o tempo lhes passeia nos corpos fumos do incenso de todas as eras e não lhes consegue impregnar o perfume da maturidade. Então, ele as abraça com a névoa do desgaste, e elas resistem. Por fim, o tempo tenta afogá-las no caudaloso rio da decrepitude. Vencido, o tempo delas se cansa e as esquece, deixando-as entregues à terra impiedosa, que aos vivos e mortos cobre.
         Entristece-me pensar que um dia, redescobertas por humanas mãos, desenterradas e despidas do peso de muitos e de todos anos, continuarão ainda com os olhos crispados de espanto.
         E a pedir, numa voz muda de agonia, que o tempo tenha piedade, e volte a se lembrar delas.

Luís H. Borba