27.9.10

Aqui em casa, só eu e minha irmã

Terça passada, durante o jantar, minha irmã reclamou de novo das minhas lamentações: "que velho chato você está ficando". Mas o que posso fazer se minhas pernas queimam tanto? E eu tinha de me lamentar era com ela, afinal só estamos nós dois em casa.
Fiquei bravo e disse que ficaria calado o resto da noite. Terminamos o jantar em silêncio, retirei o meu prato da mesa, ela retirou o dela e, em silêncio, fomos para a sala assistir televisão.
Na sala, com a luz apagada, o único som vinha do aparelho. Fui até o quarto buscar um cobertor para cobrir as pernas e vi minha irmã me olhar com o canto dos olhos e franzir os lábios em silenciosa desaprovação.
A porta que leva aos quartos rangia ao peso de um vento que eu não sentia. Minhas pernas ardiam, eu não queria me levantar para fechá-la. Minha irmã devia continuar franzindo lábios e espichando o olhar pelo canto dos olhos.
Eu disse que passaria o resto da noite sem dizer palavra, e jamais daria a minha irmã o gosto de me ver voltar atrás.
O som da televisão deixava o silêncio entre nós ainda mais pesado. Eu sentia como se fôssemos dois peixes a nadar descompassados em um aquário pequeno demais para nossas barbatanas. Minha irmã ainda tossiu duas vezes, soltou três longos suspiros - e eu nem me mexi. Fui ficando sonolento...sonolento...e adormeci.
Quando acordei, a novela já havia acabado e minha irmã também dormia.
Levantei-me, desliguei a televisão e fui para o meu quarto. Cutucá-la para que acordasse seria ainda um modo de dizer algo.
No outro dia, acordei e a encontrei ainda na sala, deitada na mesma posição em que a deixei à noite.
Isso já faz quase uma semana. Fico agora envolto nesse silêncio eterno, que quebro algumas vezes com minhas lembranças e lamentações de velho, a esperar a ruidosa desaprovação da minha irmã com a lua cheia do canto de seus olhos e de seus lábios congelados em enorme onda.