1.3.06

Monólogo da despedida

Não sei porque não saí logo que você entrou. Não sei porque deixei que tocasse meu braço. Não sei porque me sentar num lugar onde tudo o que meus olhos vêem é você. Talvez eu precise passar por isso e te dizer sobre os mundos a me habitar desde sua ausência. Mas não quero ninguém, nem mesmo você, a escutar o que tenho a lhe dizer.
Posso falar baixo. Baixo o suficiente para gritar em pensamento. Você notaria se o calor que falta nesse ambiente jorrasse de meu sussurro? Sei que não pode me ouvir, mas seu rosto costumava se incendiar com a fogueira feita de palavras a sair de meus lábios – e ele se abrasava mesmo que não continuasse a me escutar, apenas por saber o som morno a exalar de minha boca.
Posso falar ainda mais baixo. Receberia seu perdão se soubesse as coisas que falo para você não escutar? Baixo...bem mais baixo....baixinho...até eu mesma não saber de nada e não ouvir coisa alguma. Pois meu problema é não poder parar de falar. Preciso continuar a dizer, mesmo sabendo do perigo quase certo de meter os pés pelas mãos e soltar a palavra capaz de transformar em labaredas inextinguíveis o fogo em que me consumo: amor.
Pronto. Ei-la pensada, sussurrada, liberta em vôo errante por toda a sala, a resvalar na sua indiferença, a esmorecer na frialdade calculada de seus olhos que me evitam. Sinto muito, nada posso fazer para recuperá-la, para trazê-la e guardá-la a salvo de você e de mim. Deixe-a. A qualquer momento ela se cansa, esconde-se embaixo de um móvel até agarrar-se à minha saia, esperando por um descuido meu e assim poder voltar para dentro de mim.
Agora só me resta deixá-lo em paz, sem policiar seu olhar, sem querer que não ouça as coisas que não direi.
Só lhe peço um favor: não me toque mais. Do silêncio que brota de minha voz e dos gritos que eclodem de meu pensamento, eu lhe imploro: não me toque mais. Não traga para minha pele a candura estéril de seus dedos, não desperte com arrepios a alma latente de meu corpo exausto.
Por favor, deixe-me.
E eu lhe prometo nunca mais soltar o amor no meio de nós.