1.6.06

Eu e ela comigo

Seguro, entre as minhas, as mãos dela. Lá fora, a boca informe e fria da noite bafeja penumbra cada vez mais espessa. Peço licença para acender as luzes, vou soltar-lhe as mãos e percebo: não as tenho entre as minhas. Retive-as somente em pensamento. Pareceu-me tão real que juro havê-las sentido frias. Esforcei-me mesmo em aquecê-las. Só agora vejo que comprimia apenas e tão somente minhas próprias mãos. Levanto-me, acendo as luzes. Não me agrada o jorro de claridade a inundar o ambiente. Apago tudo, acendo unicamente um abajur.
Sento-me novamente e noto que, em nenhum momento, ela interrompera sua fala. Ainda assim, impressiona-me o fato de eu ter ouvido tudo o que ela disse. Lembro-me de cada palavra, do raciocínio, das minhas interpelações. Ela segue falando, eu sigo ouvindo, às vezes ela pára de falar, eu emito opinião, ela concorda, discorda, prosseguimos conversando.
Esgueirando-se silenciosamente, o corpo volátil da noite neblinou completamente o mundo. Não me importo: enquanto estiver acesa, a fraca lâmpada do abajur nos mantém a salvo. E nos torna uno. Por isso, permaneço atento ao que ela diz e continuo ondeando pensamento pelos movimentos de seus braços, de sua boca.
De repente, levanto-me, prendo seu rosto entre meus dedos abertos, beijo-lhe levemente os lábios. Espero-lhe a reação. Nada acontece. Tudo é ainda penumbra e a voz de mulher. Lá fora, a noite ressona incansável vigília. Aqui dentro, a penumbra desperta o torpor da escuridão. Então constato que, em realidade, não me levantei, não lhe prendi o rosto, não a beijei. Mas meus lábios me dizem saber os dela.
Não os contradigo: prefiro que permaneçam enganados.