20.5.05

Meu solo

Meu solo, eu o quero líquido. Nele espalharei as sementes das palavras azuis que irão compor todos os textos que escreverei. As palavras descerão às profundezas de minha terra aquosa, germinarão em si mesmas suas próprias mensagens. Depois, retornarão à superfície para serem pescadas pela fina malha da inspiração. Feita a colheita, não me alimentarei de nenhuma delas – e ficarei saciado.
Quero líquido o meu solo. Nele não haverá limite entre minha terra aquática e o céu. Nada farei para separá-los. Balançarei dia e noite sem conhecer o limiar entre um e outro. Viverei cercado pelo azul e por sóis e por nuvens e por estrelas. Os relâmpagos e raios, aninhados nas tempestades, eclodirão sobre minha cabeça e dentro do ventre móvel do terreno líquido que me abrigará. Para selar a comunhão dos dois mundos, a chuva. E sabendo-a, quero viver e partir, desconhecendo se ela tem origem no céu ou se ele é seu destino.
Líquido, assim é como quero meu solo. Nele abrigarei meus amores e, enquanto meu solo nos balançar, eles serão amados. Nele plantarei minha morada: um espaço onde eu possa repousar meu corpo quando for preciso repousá-lo.
E quando o Tempo me pedir um repouso com ares de eternidade, peço que, apenas nessa única vez, abram um sulco e firam a terra marinha. E que eu seja depositado rapidamente na ferida aberta – meu solo líquido curará depressa o ferimento, não deixando sequer vestígios da mácula.
Então, líquido como meu solo, estarei disperso por todo o mundo que nunca foi meu.
E feliz.