15.9.11

Sombra

Ontem, ficou nublado o dia todo.
Algumas nuvens ainda tentaram sufocar o céu durante a madrugada. Desistiram, incapazes de resistir à tenacidade do vento - uma manada de ar sem controle a descampar-se pela noite.
Restam, agora, alguns fiapos a criarem brancas cicatrizes no firmamento que pouco a pouco se torna azul.
O sol é fruto incandescente a amadurecer sementes de luz. Lentamente, ele as semeia, e é impossível perceber a rápida gestação dessas sementes eclodir uma explosão de claridade e calor.
Uma àrvore desperta para mais um dia, atenta à paisagem que não muda, mas que ainda assim não a cansa. Sente suas raízes mastigarem o solo numa ruminação de fome e estabilidade. Sente a frustrada revoada de suas folhas, contidas pela cumplicidade alongada dos galhos.
Tão logo o sol inunda a àrvore com luz e calor, nasce, sobre o solo falhado de grama e terra, a sombra.
A sombra já desperta consciente de si, senhora do terreno sobre o qual se estende, altiva detentora de uma árvore que lhe nasce ao pé, protegendo-a do sol.
Não sabe de onde lhe brota a vontade, mas tremelica suas extremidades num frenesi irrefreável. Olha o céu preso a uma monotonia azul, que lhe é agradável - ao perceber uma nuvem, o instinto a alerta para a possibilidade de perigo. Mas é um perigo que não a machuca e contra o qual não há como lutar.
A sombra não sabe que ontem o dia foi nublado, não sabe o que é hoje, nada conhece além do azul sobre si, a àrvore ao seu pé, sua fina pele escura e fresca alongando-se sobre a terra e uns soluços de grama.
À medida que o sol cresce ameaça sobre a àrvore, um sono ancestral a invade, fazendo-a recolher-se e recolher-se e recolher-se...
Pode ser que amanhã o sol não venha, pode ser que demore uma semana para vir, pode ser que venha a falhar, atrás do peso etéreo de uma nuvem - não importa.
Uma sombra vive a julgar-se perseguida pelo sol, presa na crença da imortalidade de sua pele fina e fresca.