15.3.14

Fogo

         O fogo não dorme ou desdorme: ele só sabe ser.
         Em estado de latência, é brasa - jamais fogo.
         Há sempre a necessidade da fagulha, o início acanhado, a tímida aparição em arremedo de labareda a perscrutar o mundo com a infantil curiosidade da chama. E, então, a avidez.
         Essa guimba acesa, lançada ao ar, carrega a potencialidade de um tempestuoso discurso de um mar de chamas.
         Cai em um terreno vazio, aninha-se sem jeito, sobre o mato seco, nos últimos estertores de um definhar indolor.
         A brasa roça o mato, a se contorcer num desejo quase impossível de escapar.
         Uma brisa lambe a brasa, aviva-lhe a vontade de se agarrar à vida, de consumir todo o resto do papel, que pouco ainda há.
         A brisa dá uma volta sobre a vegetação seca, abraça o resto do cigarro com braços de vento e ajuda a brasa a vencer a frágil resistência do mato.
         A fagulha.
         Uma pequena chama ergue cabeça, tronco e membros sobre a pele esturricada do chão. A brisa segue rodando uma cumplicidade involuntária, animando a chama a derivar-se sobre o esqueleto seco do que foi uma vegetação.
         Logo o fogo se ergue em vistoso corpo, consumindo rapidamente suas infância e adolescência, que não lhe interessam.
         É agora um mar em sinfonia a crescer em cheia maré sobre um leito que lhe alimentará a caudalosa vigília enquanto permanecer seco.

         O fogo só sabe ser.