15.8.13

Perfume


         Fazia dez minutos que eu havia chegado ao restaurante, uns cinco minutos que eu havia me servido de salada na pista fria quando senti o perfume.
         Claro que fiquei paralisado - estou até agora.
         A comida se recusa a descer, nunca folhas de alface rodearam por tanto tempo dentro de minha boca, como se permanentemente infladas pelo vento da ansiedade e, assim, incapazes de escolher o direto e único caminho do estômago.
         O perfume é dela. Não é parecido com o dela - sei que é ela logo aqui, provavelmente na mesa atrás da minha.
         Desde que, nessa mesma mesa, ela me disse "preciso de um tempo", não a via almoçar aqui. Há um mês e dez dias ela não almoça aqui. Há um mês e dez dias que eu reviro salada e comida numa obrigação desesperançada.
         Já que veio, por que me evita? Por que não vem logo falar comigo?
         Não vou me mover, não vou olhar para trás e fingir surpresa ao vê-la: ela pediu para ir embora, ela que peça para voltar.
         O barulho dos talheres no prato dizem que ela almoça lentamente - deve estar olhando-me as costas e escolhendo o melhor modo de me abordar. O silêncio, a vir da mesa, diz estar ela sozinha: mais um claro sinal de que veio para conversar comigo.
         E o perfume me rodeia, tira-me a fome, seca-me a boca, encharca-me as mãos, lança-me o corpo numa palpitação sem ritmo, numa asfixiante espera de um toque no ombro, do meu nome modulado em uma voz indecisa e suave.
         Um mês e dez dias sem sentir-lhe o perfume. Um mês e dez dias sem perfume algum - apenas a crescente sensação de nunca mais.
         Sensação afogada pelas ondas do cheiro dela, pela certeza da mão próxima ao meu ombro, pela segurança do meu nome em tom de súplica.
         Venha. Um mês e dez dias foi tempo demais. Ajuda-me logo a aplacar o vento da ansiedade.

         Ancore em minha mesa a esperança perfumada de um almoço normal.