13.8.10

A encher o quarto

Do lado oposto ao que o homem se deita na cama, rente a uma parede do quarto, um par de sandálias de salto alto é voz da ausência da mulher a encher o ambiente. O homem no aposento também não está. Mas nada lhe diz a ausência: nenhum par de sapatos rente a uma parede, nenhuma camisa sobre a cama - mudez.
Sobre o leito, dois travesseiros sentinelam à espera do sono que carregarão durante a noite, uma colcha clara estica-se sem vincos, sonhos e prazeres vagam tresmalhados pela cama.
As tiras do par de sandálias pendem desfalecidas à memória dos tornozelos que envolviam. Os saltos ainda sabem do corpo que sustinham. E as sandálias enchem o silêncio do quarto...
Em um canto, uma poltrona aquieta-se na resignada inutilidade de restar-se vazia.
Junto à cama, dois abajures, calados em seus discursos de luz , aguardam, em uniformes de poste, o toque que lhes destrave as bocas.
Então o homem entra e enche o aposento de movimento. Agita-se em passos, espalha gestos pelo ar, povoa o ambiente com o cheiro da rua e de outras gentes, esparrama sobre a cama uma camisa, liberta o discurso de um abajur, joga-se na poltrona - e se aquieta.
E logo tudo se acomoda em um silêncio feito de uma poltrona ocupada, de murmúrios de um abajur, da presença robusta do homem.
Mas rente a uma parede, a encher o quarto, o par de sandálias é a voz da mulher a gritar-se em silenciosa sensualidade.