15.1.08

Amor

Entra no quarto, cerra com delicadeza a porta, vira-se lentamente, como se esperasse encontrar o milagre da cama vazia. Puxa profundamente a respiração, prendendo-a por breves segundos. Deitada de costas, cabeça pendida, corpo largado na rasa profundidade do leito, o colchão mal se apercebendo de seu peso, a mulher parece dormir.
O homem senta-se com cuidado em uma ponta da cama, debruça-se sobre a esposa, beija-lhe a testa com o suspiro de um beijo. Abrindo os olhos com imprecisão, ela gira órbitas na direção do marido, esforça-se para abrir os lábios, roçando-lhes a língua seca.
Ele lhe sussurra algo bem próximo ao ouvido, passa-lhe as costas da mão pelo rosto pálido, sorri. Ela une forças que o torpor desconhece, e, vencendo-o, vira a cabeça, clama por vida no olhar e o deposita no homem; levanta a mão e a deixa parada.
“Estou com saudade...”, ele diz, sem que os lábios se movam, sem que da garganta o som se desaninhe.
A mão dela segue sendo facho cego na claridade que desnuda a ilha de seu corpo no mar tranqüilo da cama. Os dedos seguem sendo cardume inerte a nadar contra a inexistente correnteza do ar.
Então, a Dor cala todas as vozes da mulher, impondo-lhe monólogo de frase única: “quero paz...”.
Olhando o vôo estático da mão da esposa, e ouvindo o silencioso barulho de sua dor, o homem planta paciência sobre a saudade, estende amor por todo o espaço do quarto – e espera.