4.3.11

Fico assim a vida toda?

A primeira vez que a viu, caminhava distraída quando sentiu a sensação de estar sendo observada. Levantou olhos e viu uma mulher em pé à uma janela, a cortina logo atrás. Tão logo a olhou, a mulher começou a balançar a mão num aceno de frenética alegria.
Procurou atrás de si a quem seria o cumprimento e não encontrou outra pessoa. Respondeu meio sem-graça, para não embaraçar a mulher, que não parava de se agitar, numa automática alegria de convulsão de braço.
Caminhou mais uns dez passos, parou e viu a mulher à janela repetir os gestos a outra pessoa que vinha pela calçada.
No outro dia tornou a passar pela rua e a mulher, com a cortina atrás de si, acenou-lhe novamente a enfática saudação de um reencontro. Tentou responder-lhe com alguma emoção, mandou-lhe um beijo, e recebeu apenas a mecânica sinfonia de nota única de um braço a girar no ar.
Evitou o caminho por dois dias. No terceiro estava decidida a dar à mulher um pouco mais do que tão somente um cumprimento.
Chegou-se próxima à janela, chamou-a, perguntou-lhe o nome. A mulher debruçou-se, encarando-a.
A cortina batia-lhe nas costas, na densa respiração de um vento fraco. A sala estava imersa na penumbra de uma falsa noite, envolta num frio silêncio que escapava à rua e se estilhaçava ao se chocar com os ruídos da cidade.
O olhar da mulher à janela desceu até os olhos da mulher na rua. Inundou-os com a superficialidade das pupilas que enxergam, mas não vêem. Assoprou-lhes a ventania calma das almas à deriva, sempre prontas a reconhecerem em qualquer olhar o porto fugaz onde lançarão frágeis âncoras. E não disse palavra alguma.
Depois de alguns segundos, a janela estava recomposta, com a mulher novamente em pé, à espera sempiterna dos acenos desconcertados a lhe responderem o oscilar de braço, que pendula pleno da delicada sanidade humana.