5.3.10

Em tua companhia enquanto não chegas

Um copo vazio vigia, com sua órbita oca, meus passos pelo quarto.

A cama, com os dois travesseiros ancorados, aguarda a imersão em si dos nossos corpos, que ela carrega pelas noites.
O som da televisão me chega estremunhado, cheio de vozes irreais - quem são essas pessoas que, sem estar aqui, querem falar comigo?
Acesos, dois abajures são leais sentinelas a velar minha espera.
Espero-te.
Uma chuva fina fala mansamente à terra os segredos do céu. A invadir o quarto, o cheiro de terra molhada são balbucios de prazer do solo.
E eu espero.
Entregar-me ao sono seria o mais fácil: duas páginas de um livro, a elétrica lealdade dos abajures, o corpo cansado a se distanciar do mundo, o entorpecimento rápido e certo. Mas assim não haveria a surpresa da tua chegada.
Não haveria meu salto da poltrona, não haveria meus braços e teu corpo, nossas bocas não se haveriam em beijo. A espera, a alar-se em si mesma com penas de ansiedade, não haveria.
Por isso, espero.
Espero o momento em que tua mão regue a maçaneta com dedos e inunde o quarto com a fala curta do trinco aberto.