8.7.05

O vento

Sem que nada se espere, ele se vê em movimento: eis o vento.
Criado, coisa alguma pode detê-lo. E a vida que possui só sabe fluir pelos espaços de que dispõe – a infinitude de horizontes nunca alcançados, o limite nunca atingido do céu.
Para o vento, prazer é rolar por sobre vegetação verde fresca, sabê-la com enorme língua que roça cada folha, cada ramo, que se fere em cada caule e tronco áspero e, ainda assim, jamais fechar a boca sem dentes que grita sem parar.
Para o vento, alegria é prender por entre os braços descarnados todos os morros e colinas, em abraço que não sufoca, em carinho que não se mede. Alegria é subir montanhas e perder-se, sem se preocupar com o caminho de volta – é não se preocupar nem mesmo com o retorno. Se não voltar, ele tem a tranqüilidade de não haver quem o espera.
Para o vento, oração é poder caminhar sobre as águas. Imitar os santos e ser puro e não macular rios nem mares. Comungar é alisar as superfícies líquidas, levantando-lhes cristas e ondas para, em seguida, depositá-las no mesmo leito que as abriga.
Para o vento, luz é espada a lhe perfurar o corpo macio.
E por todos os poros, o vento esvai-se incessantemente em sangue feito de ar.
Sem jamais morrer.