10.6.05

O homem e a ave

Sentado na areia, olhando a vastidão de mar avançar em sua direção, em suaves marolas, o homem segura um sanduíche, retém entre as pernas um copo de refrigerante. A água rola sobre si mesma e entrega-se inteira a cada grão da praia. Os olhos dele assistem ao entrelaçamento, e o homem, ainda que pecador, pensa uma bênção.
Morde o lanche, bebe do copo, colocando-o de volta ao chão. Quando ergue os olhos, três aves pousaram a sua frente. Uma delas avança, receosa, jogando a cabeça de lado a outro. As outras duas permanecem paradas. Ele pega um pedaço do pão, lançando-o ao ar. O pássaro mais próximo não deixa o alimento atingir o solo, os demais não têm tempo de disputar o presente.
Sorri da graciosidade do animal. Corta outro pedaço do lanche. O grito agudo das aves faz com que mais quatro pousem perto do seu guarda-sol. Algumas tentam se aproximar e são rechaçadas com bicadas e com a voz ameaçadora daquela que foi a primeira a receber o alimento da mão do homem.
Joga o naco mais alto, o vento forte o desvia para fora do alcance da ave-primeira. Ainda assim, ela fatia o ar com movimento ligeiro de asas e prende a oferenda entre o bico. Volta ao solo mais próxima dele, mais agressiva contra as demais, que agora já passam de quinze.
Os olhos da ave-primeira alternam-se nos olhos do homem. Com pequenos passos, ela chega cada vez mais perto, abaixa a cabeça em um misto de súplica e reverência, abre as asas, exibe as penas, grita ao sol, ao vento, às concorrentes: sou ave-primeira do homem-único; tudo o que ele jogar ao céu eu pegarei; e pousarei cada vez mais junto dele, cada vez mais abrigada pelo seu guarda-sol, cada vez mais aninhada na sombra e calor de meu homem-único.
Ele termina o lanche, arremessa o último pedaço ao bico preciso e companheiro da ave-primeira. Os outros pássaros, aos poucos, desaparecem. Restam o homem e sua ave. Ela não mais avança, fica parada mexendo o pescoço, medindo as atitudes dele.
A poucos metros dali, um pai abre o lanche do filho.
A ave-primeira não mais reconhece seus gritos ainda ecoando nas marolas, não hesita em abrir as asas ao mesmo tempo em que a água, mais uma vez, abraça e aperta os grãos de areia quente.
E parte.