11.11.06

O sonho que Carlo não vê

Em pé na areia – seria fácil dizer “em uma ilha perdida”, mas as ilhas não se perdem. Perdem-se os homens que tentam buscá-las e tomá-las. Olhando a estreita faixa de praia – seria ainda fácil dizer “em uma ilha distante”, mas o distante para as ilhas é a extensão de terra que as afasta das águas, dos oceanos: o limite entre água e solo é que as faz serem.
Nessa ilha, o mar veste de líquido azul quase toda a vastidão de horizonte, deixando à mostra pequena parte de terra em que os homens fincam pés e salpicam amarras para seus barcos, sementes ocas a boiar e a esperar o momento de fecundar com trilhas sem formas os corpos dos mares.
Por aqui, o pequeno Carlo corre descalçada infância por caminhos de areia. Olha as embarcações saírem de manhã e mal repara no quintal azul de onde sai a colheita de peixes que elas trazem ao final do dia. Ao longo da tarde, ora molha os pés, ora mergulha no mar, embebedando-se de sal, sem prestar atenção ao líquido que retira o sol de seu corpo. Seca-se à sombra de uma árvore que ninguém plantou, e esparrama sono nos ventos alísios. À noite, deita-se tão logo escurece, ouvindo às vezes histórias de redes de pesca e de vagas, sem notar as estrelas gritarem eternamente, com silenciosa luz, as histórias de suas vidas que já não mais são.
Em sua ilha nem perdida nem distante, o pequeno Carlo sonha com ilhas cada vez maiores. E enche-se de prazer ao imaginar que delas poderá lançar seus barcos, que poderá se refrescar em seus mares, fazer a sesta em suas brisas, contar luzes em seus céus estrelados.
Quer crescer logo para partir, procurar ilhas distantes e perdidas, buscá-las e tomá-las.