15.6.09

Moinho

O vento é o deus que me move.
É alma, que não me habita, a vagar pelo mundo perdida e absorta, rodeando-o sem destino à procura da carne estática e rígida de meu corpo. Não pode ser essa brisa vacilante, esse sopro escapado de aéreos lábios sem rosto. A me possuir tem de ser a enchente de ar revolto que escorre pelo espaço em enormes vagas invisíveis. A esse vento, entrego-me. Entrego toda a paciente latência de minhas pás – e as ponho em movimento.
Sem o vento, existe em mim somente a aridez resignada de um céu sem nuvens. Não padeço de ausência, não padeço de lembrança ou de tristeza – a dor só existe na consciência de ser sentida. E, sem o vento, sou totem de minha morta religiosidade, a sustentar em silêncio o peso de cada um de meus tijolos, a força inepta e inútil de minhas pás imóveis.
Uma brisa, como essa que agora me roça com línguas e de dos mornos, simplesmente me desperta a vontade de beber ar e voltar a viver. Soprar-me o corpo de cima a baixo instiga-me a fome de devorar lufadas e lufadas, sem digeri-las no etéreo estômago que não tenho.
Essa brisa me traz de novo o sol, timidamente limpa minha pele do pó secular das horas ou dias em que estive morto. Prepara-me o ânimo para o arrebatamento, para a expurgação completa da morte, para o lento ranger inicial das engrenagens.
O sopro agora se alimenta de sopro e corre em mim – um sangue fluido e descarnado.
Logo o vento chegará pleno, espírito vestindo-se de espírito a comungar-me alma.
Espreito o horizonte, reteso pás.
Espero.