30.5.08

Azuis

Dedos milenares puxaram o tapete de água marinha, cobrindo liquidamente o abismo feito de pedras e queda, criando um azul abismo feito de corais e vôo. Vento primevo soprou espumosas ondas, espalhando o mar aos horizontes que demarcavam todos os horizontes, engolindo, em única mordida azul, montanhas e morros que se vestiam de terra. A Lua de sempre envergou os oceanos ao céu, em colossal maré a sorver, de um só fôlego azul, as porções de solo que cresciam, alimentadas de si mesmas.
Pensei nisso após lançar-me no silencioso vôo que é o mergulho em uma parede marinha. O fundo do mar abraçado pelo peso dos braços de dois, três mil metros de coluna d'água. Pela lente da máscara, meus olhos inundados de um azul a consumir-se na inquietante monotonia de azul e azul; meu corpo carregado no líquido e primitivo colo materno do mar.
Nesse aquático firmamento, nuvem alguma esparrama seus fiapos brancos à espera de outros fiapos para construírem tempestade. Os fundos marinhos de corais, as paredes das fossas abissais povoam o céu a que mais temos alcance – esse céu, nós o podemos tocar.
Nesse momento, em firme terra, deitado ao teu lado, olho em teus olhos e tudo retorna. Olho em teus olhos e me vêm à memória os milhões de pupilas com íris azuis que nos olham no fundo do mar; envolve-me a leve sensação do molhado vôo sem asas.
Meus dedos puxam as alças da falsa pele que te cobre, revelando-me os abismos de teu corpo. O vento que escapa de minha boca freme os pêlos de tua nuca, e eles se levantam para escapar a lugar algum. A luz da Lua molda nossos corpos, criando maré a alongar nossas sombras na penumbra do quarto.
E tuas pálpebras são ondas a cobrirem o oceano azul de teus olhos.