5.6.07

Faces do rosto esquecido

A pilha de tijolos já estava encostada na casa quando o homem se decidiu por sentar-se. Um, dois, três...cinco retângulos de barro, largados uns sobre os outros, esqueciam-se da obrigação de serem parede naquela manhã de domingo. Juntos, compartilhavam inútil individualidade até que o homem resolveu utilizá-los como um mal arrumado banco.
Sentou-se, abriu as pernas para melhorar o equilíbrio, pôs as mãos sobre os joelhos e passou a olhar a rua.
O sol mastigava as folhas de uma árvore plantada na calçada, mas apenas uns poucos raios venciam a resistência da folhagem e atingiam o rosto do homem. No início, incomodado, ele piscava olhos cada vez que a claridade lhe inundava as pupilas. Logo se acostumou, e o jogo de sombra e luz não mais o importunava.
O calor ainda era pouco, por isso deixou as mangas da camisa abotoadas, escondendo os braços secos; à mostra apenas os dedos ressequidos pelos anos de trabalho com cimento, areia, cal.
O homem olhava a rua, mas enxergava longínquo quintal; permanecia calado, mas repetia nomes gravados na eclipsada memória infantil; não ouvia o barulho à sua volta, deixava-se relembrar vozes fracas, que perdiam intensidade para apenas uma se sobressair, firmar-se, gritar-lhe na alma uma frase...uma frase...: ”Vá com Deus, meu filho...”.
Ficou em pé com um pulo, passou a mão na barba de três dias e usou todas as forças para que a memória trouxesse, junto com a voz reconhecida, o rosto da mulher de cuja boca a frase saíra.
Não conseguiu recordar. O homem dirigiu-se para dentro de casa, esqueceu-se do distante quintal, dos nomes que pularam em sua mente, agarrou-se à voz que ressoava em sua alma: primeiro dos tijolos moldados à lembrança que, empilhados, formarão o mosaico de sua saudade.