6.5.13

Nau frágil


         O que me trouxe até aqui foi um corte a bombordo em minha proa. Na realidade, não foi um simples corte: um rasgo enorme retorceu o metal de minha carne - em pouco tempo, o mar mais e mais em minhas entranhas deixou-me instável. Adernava desconcertado, tentava em vão o equilíbrio.
         Águas estavam onde não deveriam estar - não dentro de mim. O mar me invadia em um azul abraço a me puxar cada vez mais para dentro de si.
         Veio o momento em que parei de sentir todo e qualquer vento, nem uma brisa ao menos, apenas a liquidez molhada a encher o meu corpo com leves palmadas azuis; parei de sentir a incalável voz do sol e seu incessante discurso de calor, chegavam-me somente uns raios difusos, carregados de um calor opaco. O horizonte deixou de ser uma linha para se tornar uma infinita massa escura. O céu desapareceu, surgindo em seu lugar a ondulante massa da superfície do mar.
         E o silêncio - uns últimos marulhos de meu corpo ao entrar de vez na água, e o silêncio.
         Então, a sensação desconhecida para a qual eu não tinha nome - hoje, sei chamar-se descida.
         Afundei, e desci, e desci, e desci sob o peso de mil bocas se calando sobre mim, sob o peso de mil mãos azuis a me puxarem para baixo, sob o peso de um mar inteiro, que alisou sua superfície, afastando o redemoinho que criei - último mudo pedido de socorro -, e para sempre me escondeu.
         De modo que cheguei até aqui por um rasgo a bombordo em minha proa. Resto-me semi-deitado. Reaprendi a enxergar: apesar da escuridão, vejo meu horizonte infinito, enxergo os dias e as noites. Reaprendi a ouvir: há de se fazê-lo para entender os humores do mar.
         Mas, acima de tudo, reaprendi a navegar: a correnteza assoma-me o corpo dia e noite, tornando-me atento barco de minha flotilha solitária.