A filha sorri e tenta fazer com que seus olhos também sorriam, mas para os lábios é mais fácil mostrar uma alegria que não sentem. Segura, entre as mãos, o rosto da velha e, entre um meio sorriso, silaba: "Mãe...".
Os lábios da velha não se movem. A mulher tem no rosto tantas rugas prontas a dizerem alguma coisa na mudança de suas linhas, na atenuação ou aprofundamento de vales de pele, mas nenhuma se mexe. Os olhos seguem fixos nos olhos da filha.
O voo de um pássaro diz curta frase de sombra ao passar frente a janela, fazendo com que a velha vire a cabeça, com que os vincos em seu rosto mudem de posição, com que a testa franzida lhe aumente os olhos, guiados por algum interesse e curiosidade.
A filha se anima com a reação, com a aparente vontade de leitura da palavra já perdida, com o interesse da mãe na pequena penumbra que voou pelo quarto - e sorri, agora com lábios e olhos.
A velha volta à posição inicial, reacomoda as rugas ao discurso de sempre, readquire a monolítica postura do corpo a dizer-se ao mundo pelo monótono discurso da alienação, submerge numa quietude que a metamorfoseia na quietude do quarto - quietudes só quebradas pela sombra do voo de um pássaro.
Os olhos de uma tornam a invadir os olhos da outra. Uma profusão de dizeres da filha se perde nas surdas negras órbitas da velha.
"Mãe...", mais uma vez, na tentativa de encontro entre os dois mundos.
A velha mal pisca, quieta na maciez do familiar mundo irreconhecido do olhar da filha.
Nenhum comentário:
Postar um comentário