De início, deixava um pequeno abajur a um canto do quarto, receiosa de que a luz lhe
atrapalhasse o sono. Mas não conseguia dormir, apoiando, de tempo em tempo, os cotovelos no
colchão para espiar a penumbra, certa de haver percebido algum movimento, de ter notado a
passagem da diáfana nuvem de uma sombra - e pior: não conseguia enxergar o vazio ao seu lado
na cama.
Ficar olhando o escuro fazia com que o homem se tornasse ainda mais ausente; tatear o
lençol em toda a extensão de seu braço, sem encontrar a sempiterna presença do corpo dele;
rolar pela cama, e consumir-se num breu que a levava ao abismo do leito, escancarava um
abandono que a tornava mais perdida, pois lhe criava a esperança de que, em algum lugar
daquela escuridão, o homem se escondia para lhe pregar uma peça.
Resolveu, então, colocar o abajur em cima do criado-mudo, empurrando o escuro para a
periferia do quarto.
Suas noites não se tornaram muito melhores, mas ao menos consegue ter o suspiro de
alguns momentos de cochilo, como agora.
Já faz quase uma hora que ela dorme, depois da espera pelo sono em atitudes de
estátua: a rigidez de membros, a imperceptível respiração no lento arfar do peito envolto em
aparente armadura de concreto, a pétrea visão em vazios olhos abertos.
Acorda em leve sobressalto, com a certeza de que apenas fechou e abriu olhos, e de que
está a boiar no meio da madrugada - um trevoso e invisível corpo em que a mulher lança o leito
todas as noites em estática deriva.
Os cantos do quarto se escondem na escuridão, o lado vazio da cama está fracamente
iluminado.
Não consegue mais dormir no escuro.
A luz do abajur não torna suas noites muito melhores, mas ela confia que sirva de farol a
orientar a chegada da sempre redentora luz do tempo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário