22.4.14

Tudo tão ausente

 Voltando do jantar, olho a janela da sala, que deixei com a luz acesa, e vejo a silhueta da
cortina.
 O jantar nem mereceria esse nome. Foi, como tem sido nesses meses, um momento em
que coloco à minha frente um prato de comida e me obrigo a esvaziá-lo. Nem sei ao certo o
gosto, escolho do buffet coisas conhecidas para não ter a desagradável surpresa de ser desperto
de minha distração por um sabor ruim, que me torne atento ao prato, à mesa, à cadeira vazia
diante da minha.
 Comer tem sido uma experiência de olhar o nada, mover maxilares, engolir - até que o
garfo raspe o prato numa inócua procura metálica por migalhas que já não existam.
 Tomo um gole de água, pago a conta e saio pela rua numa forçada curiosidade pela vida
das pessoas: concentrar-me nos movimentos dos outros aliena-me da ausência ao meu lado. Ao
meu lado esquerdo - sempre ao meu lado esquerdo...
 Então é chegar em casa, um pouco de televisão no quarto, e um afundamento na
escuridão, disfarçada pelo sono leve e que o dia dissipa com claridade, sem jamais eliminar-lhe
o peso.
 E todas noites há a janela, a cortina: a sombra do puxador cruzando o tecido em
obediente diagonal aprendida na repetição meticulosa de todas as tardes - quando a rua não
mais lhe interessava e você cerrava o tecido.
 Olhar essa cortina, que não mais se mexe; esse puxador, que há meses não se cansa da
diagonal; perceber esse silêncio submisso de ambos, a não reclamarem coisa alguma, faz-me
parecer que jamais saberei novamente um jantar, que jamais sairei dessa casa - tudo tão
ausente na sua ensurdecedora ausência.
 Isso me parece a eternidade.

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