A caixa de papelão é fina e o homem a retalha com cansada
veemência. Descarta a tampa e o fundo,
restam quatro placas empilhadas uma sobre a outra e envolvidas pelo defeituoso
laço de um abraço.
O homem olha a rua: esquerda ou
direita?
Passam poucas pessoas por ali. A essa
hora da manhã, o movimento na confluência com a avenida deve ser maior. Decide, então, tomar a sua esquerda, subir a rua.
A cadência dos passos pode demonstrar indecisão, mas é tão somente ausência
de pressa. Os pés não martelam o chão:
tocam-no com um subentendido pedido de licença, às vezes se arrastam como se houvesse
o desejo de limpá-lo da sujeira - que ao chão e ao homem não
incomoda.
As quatro placas de papelão trocaram de braço.
O peso é nenhum, a troca foi feita apenas para
liberar a mão direita para que ajeitasse a barra
da calça, que se prendia sob o tênis num atrapalhamento de excesso de pano.
Para.
Olha rua acima, olha rua abaixo.
O vento cresce em velocidade próximo à esquina. Avoluma-se no corredor de prédios que sempre se espremem à proximidade
de uma avenida.
Falta somente um quarteirão, não compensa agora mudar de direção rua abaixo. Mantém
a escolha e retoma os olhos no chão,
os passos ora arrastados, ora pisados com um despropositado e impensado
cuidado.
Na esquina, uma onda - uma maravilhosa
onda humana - move-se com a matinal pressa das pernas; com o necessário apoio do balanço
dos braços; com a descombinada, mas
onipresente, contrição de rostos.
O homem passa a mão pelo rosto, joga no chão três placas de papelão e sobre elas se ajoelha. Abaixa a cabeça, levanta o olhar - a varrer com ele o movimento das
pessoas -, abre a mão direita em concha, a esquerda
segura a outra placa onde, há
pouco, um pedaço de giz rabiscou: "TENHO
FOME".
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