espero o início de um filme, vejo-o passar com a sempre e mesma expressão corporal - costas
arqueadas, cabeça levemente inclinada, olhos fixos no chão, na medrosa procura do obstáculo
ou do abismo a lhe provocar a queda fatal. Ele sempre foi assim diante da vida: uma
insegurança em cada passo, um vacilo ante cada atitude, um jeito irritante de tatear as opções
com uma covarde indecisão para escolher.
Distraída com a revista, mal me apercebi de sua chegada. Na realidade, não houve
barulho algum - chamou-me a atenção a sombra de seu vulto escorrendo em direção ao quarto.
Não me espantei porque a banalidade dele é tamanha que não me assusta. E pode ser
apenas ser impressão minha que ele tenha chegado. Aliás, tem de ser impressão minha o
deslizar indeciso dele pela casa.
Não o chamei porque nunca o chamo. Ele tem suas razões para entrar calado, eu tenho os
meus motivos para deixá-lo quieto e não me importunar com reclamações e pessimismo.
Pode parecer estranho, mas nos damos bem assim. Estamos acostumados, depois de
tantos anos, a esse mútuo vazio a alimentar a casa; a esse silêncio meu com as fraquezas dele e
ao silêncio dele a não provocar minha pouca paciência.
De modo que, depois de cinco semanas sem ele, deve ter sido só impressão minha aquele
vulto vacilante em direção ao quarto, que não mais é dele.
Mas não me espanto mesmo porque, fraco como ele é, não me admiraria encontrá-lo
recolhido ao quarto, sentado na cama, a apoiar as mãos nos joelhos e a olhar o tapete numa
aflição inútil de quem não acha as palavras por temê-las tão logo lhe escapem da boca.
Antes de o filme começar, vou ao quarto.
E ai dele se sua covardia não estiver sentada na cama.