Neste momento, a água brota, nascendo, em fontes, os rios. Nasce calada, miúda, um fio sem cor e sem forma escoando-se terra afora. Logo começa a falar. De início é um sussurro molhado sobre secas folhas, sobre uma vegetação que se deita em seu líquido corpo, toda entregue. Aos poucos a mata se joga sobre a água em desvios, troncos, pedras cada vez maiores – e o sussurro cresce, transformando-se em um ronco ora abafado, ora atroante a escapar da garganta dos rios.
Neste momento, os rios se vestem de correntezas, de corredeiras, de cascatas, cachoeiras, exibindo seus cristalinos corpos, vergastados pelos obstáculos que encontram ao longo de seus leitos. Em seus trajetos se machucam e sangram em água suas peles imaculadas de qualquer marca. E dormem e acordam querendo ser mar.
Neste momento, o mar acaricia os estuários com línguas de espuma e vagas, embalando os rios e engolindo-os em sua garganta oceânica. Adentra-se pela terra, tomando para si toda a água gerada para ser somente sua. O mar espreguiça-se em vastidão e abismo, placidamente encarando a fixa abóbada azul a escorrer bem acima de si. E no céu que não lhe pertence, o mar vê brotar nuvens.
Neste momento, as nuvens crescem: cansada da Terra, a água se evola e se aninha no céu. Rolando-se pelo firmamento nos aerados dedos do vento, as nuvens se unem e se unem e se unem, engravidando-se de água. Pesadas, suas disformes barrigas negras trovejam tempestade.
Neste momento, chove.
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