Reflexo do infinito abismo azul sem nuvens, a superfície do lago cobre mansamente toda a água de que também ela é feita. O Sol espreguiça cálido olhar sobre o líquido que ainda há pouco dormia. Na margem, pai e filho estendem olhos pelo corpo aquoso enquanto caminham a passos lentos, trocam algumas palavras, chutam pedras e quebram gravetos com os pés desatentos.
O homem abaixa-se, mexe em algumas pedras, escolhe uma com a face bem lisa, chapeia o pedregulho na superfície da água. O objeto resvala no líquido por duas, três vezes antes de afundar. O menino acha graça da mágica do pai. Nova escolha, novo movimento de rotação, e a pedra caminha aos saltos sobre o lago antes que ele a absorva na líquida eternidade de seu corpo.
O filho se empolga: quer aprender a fazer a mágica do pai.
O homem escolhe um cascalho para a criança, coloca-o em sua pequena mão, ensina ao menino o movimento de braço e mão.
O rapazinho ensaia jogar, olha para o pai, dá um sorriso. “Olha pra frente!”, e ele volta a se concentrar na voz que segue a instruí-lo.
Realiza um, dois movimentos falsos de arremesso, até que no terceiro o pedregulho lhe sai da mãozinha.
A pedra sustém-se no ar sem vento e inicia viagem. O menino prende a respiração à espera do encantamento. O lago vigia, com seus milhares de olhos de água, o percurso do objeto. A pedra distancia-se da criança, da margem, aprofunda vôo. O menino esparrama sobressaltos do coração por todos os seus órgãos. O lago, impassível, segue observando, e diz com o silêncio a inevitabilidade do encontro. A pedra, sem mover as células que não tem, segue o destino que desconhece: cair. O menino é ansiedade em ver quantos pulos seu cascalho dará. O lago contempla o azul acima, relaxa todas as suas líquidas fibras, e espera. E no mesmo segundo de Tempo, a pedra toca, o menino assiste e o lago sente.
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