“A veia desse braço não está muito boa...vamos tentar o outro?”
A enfermeira muda o suporte de lado, pede que o homem apóie o braço e que feche a mão. Aperta-lhe o bíceps com um pedaço de borracha, alisa com as costas do dedo indicador direito a veia que salta.
A mulher esfrega um chumaço de algodão embebido em álcool na pele do homem, espera alguns segundos, aproxima a agulha e prepara-se para injetá-la obliquamente na veia.
O homem não tira os olhos da seringa, fixando atenção à ponta metálica da agulha.
Um leve esforço na mão da mulher, e o homem sente a picada, mantendo os olhos fixos no metal que lhe invade a carne. A enfermeira puxa o êmbolo, enchendo a seringa com o líquido, que apressadamente tinge de vermelho todo o recipiente.
O sangue mal se acomoda e já é transferido para um tubo. Acostumado a gritar velocidade através do corpo do homem, o líquido agora emudece imobilidade. Com as paredes levemente avermelhadas, a seringa é jogada ao lixo.
“Pode abrir a mão...segure esse algodão um pouquinho...isso...só até eu colocar um esparadrapo...pronto...”.
O homem se levanta, guarda no bolso da calça o papel para a retirada do resultado do exame, e parte.
Dentro do tubo, o sangue, que há um minuto era luz líquida a escoar energia, é agora luz condensada a perder seu vital calor. Antes que toda a vitalidade se esvaia, ele contará histórias sobre o homem; dirá sobre saúde ou doença; mostrará despudoradamente as imperfeições que, por ventura, carrega; responderá, com todas as células de seu corpo, às perguntas sobre vida e morte.
E enquanto o calor fenece, esgotando-lhe calmamente as falas finais, o sangue fecha-se em crisálida rubra e guarda, no rubor de seu corpo inerte, segredos de desejos e paixões.
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