Todas as noites, eu escancarava a janela do meu quarto para deixar entrar o mar. O som das vagas escorregava pelo meu aposento, acomodava-se ao lado do ruído das teclas do computador, fazia companhia ao volume baixo do toca-cd.
Eu me deitava e alongava o sono, escutando gemidos de ondas quebrarem na praia que minha casa não possui.
O mar vagava pelo correr sem tropeços do vento nas folhas dos pés de eucalipto plantados no terreno ao lado.
O vento jogava as folhagens de lado a outro, escorria desembestado nas ramagens verdes – e todas as árvores gritavam o lamento que me era idêntico aos gritos das ondas do mar.
Eu batizara a escuridão da noite de Isla Negra, e acreditava que em seu corpo ausente de luz, ela escondia o mar que eu ouvia e não tinha. E assim como para Neruda, o mar era grande demais e estava colocado em minha janela.
O mar que eu ouvia e não tinha.
Ausente por alguns dias, retorno e chego quando o sol moveu seu furor para outras paragens. Abro a janela, escuto – e não ouço. Vigio o escuro, faço perguntas a minha Isla e só recebo silêncio.
Alguém levou meu mar embora. Cortaram-no e o tornaram lenha. Transmutaram em fogo, o meu mar.
Ruidosamente silenciosa, a noite já não entra pela janela do meu quarto, abafada por aquela que sai dele – que tem o tamanho e o sal dos mares.
3 comentários:
Luís,
Relendo este Teu Mar, lembrei-me de um texto do Nietzche:
"Era uma vez, num canto remoto do universo imenso e cintilante, através dos infinitos sistemas solares, um astro, no qual alguns animais astutos inventaram o saber. Foi o momento mais falso e mais mentiroso da "história do mundo": mas durou um minuto, apenas. Depois de alguns suspiros da natureza, o astro se enrijeceu e os espertos animais começaram a morrer"
Importa aqui no texto que o conhecimento "é algo inventado". Daí Nietzche infere: "O que é a verdade? Resposta: um móvel exército de metáforas".
O que isso tem a ver com seu texto?
Daí infiro eu, com licença de Nietzche: O que é a realidade? O que é o sonho? Resposta: um móvel exército de metáforas.
Sem elas, a metáforas, nossos saberes e nossos sentires, sonho/realidade estariam inutilmente presos dentro de cada um. E se perderia a beleza de se sonhar e ver a realidade de infindos ângulos.
Quem SABE mares pode vivê-los em quaisquer circunstância. Quem SABE mares e ventos e cinzas, pode inteirá-los e identificá-los no cosmo e deixar a alma navegar com esse "exécito móvel de metáforas".
Confuso?
Fiquemos então neste teu mar "evaporado" e que por isso mesmo há de chover há qualquer momento inventado novamente em outras metáforas.
Que beleza de texto!
Que bonito!!
Lindo...intenso...invade e prende o olhar.
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