Depois de dez minutos de descanso na terceira parada, a mulher se decide a não mais interromper sua marcha, a não mais deixar de arrastar o carrinho cheio de papelão até que atinja a parte plana da rua.
O corpo inclinado para frente, apenas as pontas dos pés apoiadas no chão, ela faz esforço enorme para conseguir vencer os metros que ainda faltam, cruzar a avenida e finalmente não precisar fazer tanta força para colocar em movimento a pequena carroça que arrasta todos os dias.
Não gosta de enfrentar ruas com subida, mas não pode se dar ao luxo de escolher o caminho pelo qual colherá seu sustento e o de seus filhos.
Começa a atravessar a avenida e o semáforo fecha. Tem tempo somente de frear o veículo com a vontade de todos os músculos, voltar poucos passos, controlar o carrinho para que não embale rua abaixo, manobrando-o e encostando-o no meio fio. As ofensas, a mulher não as ouve, ajudada pelo sol forte que lhe torra as têmporas e a faz pensar apenas na preservação de sua carga preciosa.
Quando o semáforo abre, o arranque para colocar o carrinho em movimento arrebenta a frágil amarração feita pela mulher. E metade da carga colhida esparrama-se no chão. Assim, parte da rua e da calçada ficam cobertas pelas três contas de luz atrasadas; alagadas pelo fio de água que precisa ser pago; manchadas pelo óleo barato que cozinharia um pouco de arroz; alimentadas pelo leite que a mulher precisa dar aos filhos.
De manhã, ao sair, deixou as quatro crianças aninhadas em miserável casa erguida num ramo sem terra de uma rua batida.
Durante o dia, enquanto esperam a mãe, os meninos correm em vôo baixo pelos terrenos do bairro, elevando sonhos às alturas das pipas que sempre lhes pedem linha...linha...linha...
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