Voltando do jantar, olho a janela da
sala, que deixei com a luz acesa, e vejo a silhueta da cortina.
O jantar nem mereceria esse nome. Foi,
como tem sido nesses meses, um momento em que coloco à minha
frente um prato de comida e me obrigo a esvaziá-lo.
Nem sei ao certo o gosto, escolho do buffet coisas conhecidas para não
ter a desagradável surpresa de ser desperto de minha
distração por um sabor ruim, que me torne
atento ao prato, à mesa, à cadeira
vazia diante da minha.
Comer tem sido uma experiência
de olhar o nada, mover maxilares, engolir - até que
o garfo raspe o prato numa inócua procura metálica
por migalhas que já não
existam.
Tomo um gole de água,
pago a conta e saio pela rua numa forçada
curiosidade pela vida das pessoas: concentrar-me nos movimentos dos outros
aliena-me da ausência ao meu lado. Ao meu lado
esquerdo - sempre ao meu lado esquerdo...
Então
é chegar
em casa, um pouco de televisão no quarto, e um afundamento na
escuridão, disfarçada
pelo sono leve e que o dia dissipa com claridade, sem jamais eliminar-lhe o
peso.
E todas noites há a
janela, a cortina: a sombra do puxador cruzando o tecido em obediente diagonal
aprendida na repetição meticulosa de todas as tardes - quando
a rua não mais lhe interessava e você cerrava
o tecido.
Olhar essa cortina, que não
mais se mexe; esse puxador, que há meses não
se cansa da diagonal; perceber esse silêncio
submisso de ambos, a não reclamarem coisa alguma, faz-me
parecer que jamais saberei novamente um jantar, que jamais sairei dessa casa -
tudo tão ausente na sua ensurdecedora ausência.
Isso me parece a eternidade.