Lembro-me de
que o banco de cimento estava gelado. Devia ser por causa do orvalho da
madrugada, porque sei que havíamos saído de casa muito cedo.
Eu não conseguia encostar os pés no chão - aliás, muito longe disso em meus três anos de idade -, e por isso
levantava uma perna e outra para escapar do contato com o banco.
Não me lembro se passei frio, mas minha
mãe deve ter me agasalhado. Só me lembro mesmo é do gelado do banco e de que reclamei
para minha mãe.
O banco
existe até hoje em frente a Instituição. Acho que cabem umas três ou quatro pessoas nele. Não sei se naquele dia havia mais alguém além de mim e de minha mãe.
Disseram-me
que fiquei muito tempo sentado ali - disso também não me lembro.
Além de ser muito pequeno, o fato de
nunca ter enxergado restringe minhas lembranças a sensações outras da impossível visão.
Não sei se aquele dia demorou mais para
amanhecer, se estava nublado ou se o sol já chegava ao pé do banco - assim como não sei sobre isso em nenhum dos outros
dias.
A escuridão em que nasci dói mais nas pessoas que me conhecem do
que em mim. Ela é minha companhia, alguém com quem posso dialogar a qualquer
momento, o espaço onde projeto todas as minhas percepções para poder ver o mundo.
Aqui, na
Instituição, as freiras me ensinaram a ver no que não é visto, assim como no silêncio do não dito há a essência que antecipa a fala;
ensinaram-me a viver no escuro aproveitando a claridade que nos ronda.
Por gostar
demais daqui, jamais quis partir. E as freiras me deixaram ficar.
Não sei porque estou falando do banco
gelado, mas daquela longínqua manhã em que cheguei, resta-me a lembrança dele, a certeza de que reclamei e a
essência do eterno silêncio na resposta que nunca ouvi da
minha mãe.