7.12.09

A noite em noites e penumbra

Faz pouco mais de meia hora que se deitaram. A mão esquerda da mulher remansa sobre a direita do homem. Conversam a meia luz, pois ele adora a penumbra – a claridade ostensiva esconde os detalhes, e são os detalhes a ínfima textura de tudo.

O homem a puxa para junto de si, beija-lhe a testa. A penumbra lhe mostra o preciso contorno da coxa escapada da cumplicidade da camisola, a depressão das costas à mostra, os suaves pêlos da nuca.
O corpo da mulher se estremece em seus braços quando os pneus de um carro gritam freada na rua, depois de quase atropelarem a desatenta fome de um vira-lata. O motorista xinga, o cão recolhe culpa e susto entre as pernas, e se enrola sobre si mesmo sob o incessante discurso de luz de um poste. Com negras órbitas de universo, o animal olha a água, recém liberta de um cano incompetente, desembestar-se rua abaixo em líquidos atropelos de corrida – corre amparada pelo onipresente leito da sarjeta até o abrupto despencar no abismo de um bueiro. Em seu percurso, a água enche o silêncio da noite com úmidos murmúrios. Mais alguns minutos, e um outro carro desce a rua espalhando o metálico ranger de suspensão cansada. Logo a seguir, a voz de alerta da buzina da moto de um vigilante grita tranqüilidade e desperta o cão. E, serenamente, o sono se espreguiça e começa a se espalhar no vasto corpo da noite.
No quarto, o sono que pegou de surpresa o cão, a água, a rua vira o rosto à penumbra e se esparrama sobre os corpos nus do homem e da mulher.

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