Crava os dentes no lábio inferior, torce o lábio superior em sorriso esgazeado, arregala os olhos, ainda que desatento ao mundo a sua volta. Uma gota de suor pavimenta líquida estrada errante em seu rosto; uma outra lhe nasce da testa e se deixa rolar sem preocupação com destino. Logo vem outra, e outra...e o rosto do homem se torna mapa serpenteado de rotas sinuosas criadas para serem apenas caminhos de si mesmas.
O braço direito se estica todo ao alto, fugindo com ênfase da proximidade com o chão. Na mão direita, o retrato amassado de uma santa aninha-se entre os dedos sujos do homem.
Dois passos curtos precedem dois passos apressados, que se tornam a tempestade de silenciosa corrida – silêncio perturbado apenas por uma ou outra gargalhada seca.
O homem corre até a esquina e para. Olha a ponta do braço esticado: a santa sorrindo o sorriso contido e leve dos santos. Solta um grito de prazer e recomeça a correr, olhos na santa, dentes cravados no lábio inferior, suor alimentando-se de suor.
De repente, solta o papel, liberta o retrato, interrompe a corrida. Com atenção extrema, boca agora aberta, vê a folha, em indeciso voo, buscar o solo do qual procurava afastá-la.
O papel erra lentamente pelo ar. E a santa, de olhar suave e sorriso ingênuo, voa rumo ao chão. Às vezes, o vento lufa-lhe asas imaginárias – e a santa sustém-se no ar parecendo querer evitar a queda.
Quando o papel toca o solo, o homem resta alguns segundos sem ação.Enxuga com as costas das mãos o rosto molhado, olha ao redor.
Uma mulher, que caminhava pela calçada, passa ao largo do homem e da santa, apertando a bolsa contra o corpo, usando o canto dos olhos para que o medo vigie o homem. Afasta-se rapidamente. Olha para trás e lança um disfarçado sorriso de desprezo.
O homem então se abaixa e pega a santa – para de novo fazê-la boiar no ar entre seus dedos imundos.
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