9.12.08

Para nós, as noites

Desperta-me o espanto de estar dormindo. A noite é um sol negro a alimentar de escuro o mundo, tornando-me desorientada e cega ilha. Demoro alguns segundos até perceber onde estou, até entender o que se passa. Poderia jurar que há um segundo havia a luz do abajur ao meu lado, que há pouco eu lia e a esperava.
Em determinado momento, interrompi a leitura e estiquei minhas pernas até o seu lado da cama. Ouvi sua risada na sala - próxima por estar ao alcance do meu chamado; distante pela improbabilidade de que eu o fizesse: eu é que me havia proposto a esperá-la. Ouvi escoar seu riso, sua voz modular frases que eu não queria entender. E ouvi-la, fez-me vê-la andando pela sala, erguendo braços em movimentos lentos, cadenciando passos em solitária dança, umedecendo lábios com suaves toques de língua, enquanto ria e falava. Desinteressado pela demora, desejei ainda mais esperá-la.
Agora está tudo escuro, um escuro capaz de sorver qualquer fiapo de luz. Além do escuro, o silêncio. Preenche-me os ouvidos o silêncio voraz que emana das entranhas da noite, o silêncio a nos falar todas as frases que são embaçadas pela luz do dia. Frases ditas inicialmente aos solavancos, sussurradas e que, pouco a pouco, avolumam-se ao ponto de quase se tornarem gritos a nos chacoalhar a inércia.
Em meio à impossibilidade de vê-la, de não mais ouvi-la, assalta-me uma dúvida: seria ela ainda espera? Será que, vendo-me dormir, levou seu riso e sua dança e seus lábios para afugentar a insônia em outra parte qualquer da casa?
Tateio a mão direita lentamente, receoso de que ela escoe pelo mar branco do lençol como uma onda escoa pelo azul sem a exata precisão da praia. Sinto-me encostar em seu corpo, toco suas costas. Sei que são suas costas, não preciso de luz alguma para saber que são suas costas. Viro-me, aproximo-me devagar e encaixo meu corpo ao seu.
E bendigo todas as noites que ainda terei para esperá-la.

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