Pleno de secos galhos e de falta de vida, o tronco se desprende da margem onde um dia foi árvore e despenca no rio. No início, parece não saber o que fazer, qual caminho seguir. As águas tratam de mostrar-lhe sua única e bastante opção: entregar-se para que elas, águas, o carreguem.
Sem forças para dizer “não quero”, sem energias para gritar “deixem-me aqui”, o tronco embala-se rio abaixo, solta o corpo descarnado de casca e folhas, deixa-se ser lambido pelas úmidas línguas da água.
Alguns quilômetros adiante, sua carcaça está alquebrada pelo choque contra barrancos, muitos de seus galhos se perderam em meio à vegetação que cresce nas margens e que se permite ser esticada rio adentro, em clara zombaria a tudo o que a correnteza toma pelo braço e simplesmente leva e leva e leva ...
Em certos trechos, a correnteza torna-se mais forte, arremeda-se em corredeira; cria refluxos que engolem inteiramente o tronco antes de libertá-lo com menosprezo; brinca de jogá-lo acima do leito do rio, para recebê-lo de volta em abraço frio e molhado; empurra-o de um lado a outro, mostrando-lhe que ao esqueleto cabe apenas tentar manter seus ossos.
Com a garganta, que nunca teve, seca, o pedaço de madeira aceita em silêncio ser arrastado por líquidos caminhos. Vez ou outra, contempla a paisagem que corre nas barrancas. Nesses momentos, sente um torpor melancólico ao enxergar tantas árvores como também ele o fora; dói-lhe as rígidas fibras vislumbrar o verde das folhagens que também ele tivera; percorre-lhe o corpo uma virgem vontade de chorar.
E o tronco não chora porque os olhos que não tem são incapazes de salgar o rio.
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