Fazia dez minutos que eu havia chegado
ao restaurante, uns cinco minutos que eu havia me servido de salada na pista
fria quando senti o perfume.
Claro que fiquei paralisado - estou até
agora.
A comida se recusa a descer, nunca
folhas de alface rodearam por tanto tempo dentro de minha boca, como se
permanentemente infladas pelo vento da ansiedade e, assim, incapazes de
escolher o direto e único caminho do estômago.
O perfume é
dela. Não é parecido com o dela - sei que é
ela logo aqui, provavelmente na mesa atrás da minha.
Desde que, nessa mesma mesa, ela me
disse "preciso de um tempo", não a via almoçar
aqui. Há um mês e dez dias ela não
almoça aqui. Há
um mês e dez dias que eu reviro salada e
comida numa obrigação desesperançada.
Já que veio, por que me evita? Por que
não vem logo falar comigo?
Não vou me mover, não
vou olhar para trás e fingir surpresa ao vê-la:
ela pediu para ir embora, ela que peça para voltar.
O barulho dos talheres no prato dizem
que ela almoça lentamente - deve estar olhando-me
as costas e escolhendo o melhor modo de me abordar. O silêncio,
a vir da mesa, diz estar ela sozinha: mais um claro sinal de que veio para
conversar comigo.
E o perfume me rodeia, tira-me a fome,
seca-me a boca, encharca-me as mãos, lança-me
o corpo numa palpitação sem ritmo, numa asfixiante espera
de um toque no ombro, do meu nome modulado em uma voz indecisa e suave.
Um mês e dez dias sem sentir-lhe o
perfume. Um mês e dez dias sem perfume algum -
apenas a crescente sensação de nunca mais.
Sensação afogada pelas ondas do cheiro dela,
pela certeza da mão próxima ao meu ombro, pela segurança
do meu nome em tom de súplica.
Venha. Um mês
e dez dias foi tempo demais. Ajuda-me logo a aplacar o vento da ansiedade.
Ancore em minha mesa a esperança
perfumada de um almoço normal.