No centro do quarto, a cama é um país inteiro.
Sem fronteiras com outros países, guardado por abismos rasos que despencam de suas bordas para a finitude mundana do chão.
Dois tapetes, um de cada lado, são portas constantemente abertas, em tecido e espera, para liberarem os corpos - nossos corpos - à concretude quotidiana. São, também, portas para deixarmos o mundo e entrarmos em nosso país.
Sentado em uma poltrona, fiscalizo-lhe os limites, percebo o cuidado da cabeceira em evitar o contato com a parede a se estender atrás dela - não lhe permite toque algum: as leis aqui são nossas.
Olho e observo tudo enquanto espero por você.
Poderia tomar momentânea posse sozinho - momentânea -, mas agora prefiro observar e esperar.
Um silêncio constante alardeia-se pelo ambiente e me traz a dúvida: ele nasce do mundo ou é o leito que o produz?
Penso em compará-lo ao silêncio de outros aposentos e me detenho ainda no nascedouro da ideia: soa-me tolice sem sentido.
Então você entra, retoma um assunto que discutíamos há pouco, transita pelo quarto com a naturalidade lógica de quem anda por um quarto, pelo seu quarto - pelo nosso quarto.
Abre o guarda-roupa, retira uma camisola, troca-se enquanto fala e ri e gira-se pelo espaço.
A poltrona é já terreno estrangeiro: levanto-me e também me troco.
Você senta-se na cama, gira pernas, joga o corpo para trás - e se liberta do mundo.
Igualmente me libertando, eu me deito, deslizo os pés pelo antártico terreno do lençol em busca do porto de teus pés.
Porto que me trará, em nosso país suspenso, o continente de seu corpo.