Uma lona plástica inflada, lambida, rasgada pelos dedos sem ossos do vento cobre a pilha de tijolos. A chuva bate em seu corpo impermeável, empoça-se na terra batida e escorre mansa e resignada.
Meia hora depois, a luz frágil do sol a imprecisar-se por entre nuvens ralas, a chuva se cala.
As mãos servis de um ajudante levantam uma parte da lona, enchem-se de tijolos, colocando-os em uma carriola: a aspereza da pele dos dedos contra a aspereza da carne de barro; os dedos vermelhos do sangue em pó dos tijolos; a mudez da pilha que se desfaz; o silêncio perene, selado pela argamassa de cimento e cal a unir os tijolos.
O servente descarrega a carriola, que range solavancos no terreno irregular na volta à pilha. Quando retorna, cheia, range estridência sob o comando dos tesos braços do homem.
Ele tira o boné para afastar o líquido caminho de suor a lhe nascer no rosto, e retoma calado o trabalho de desamontoar e amontoar tijolos. Um rádio esganece música ao fundo, criando o diálogo a manter unidos servente e pedreiros.
Sob um vento agora fraco, a lona plástica tem leves espasmos de sono. Pouco a pouco, o servente esvazia-lhe as entranhas, trocando o silêncio de um ventre pleno pelo silêncio do nada.
Onze horas. As mãos desatam panos de prato, libertam marmitas, acendem fogareiros. Nasce entre os homens uma conversa entrecortada por notícias no rádio,uma conversa a saltear-se durante o almoço, a secar-se lentamente no momento da sesta.
Mudos, os tijolos esperam.
Esperam sob a lona sem saber aonde a luz, aonde o vento, aonde o mundo.
Esperam alinhados, a erigir paredes em que não se conhecem.
Esperam pelas mãos ásperas que, sem o saberem, quebram-lhes a mudez - e juntos passem a dizer casa.