11.11.09

Nada

Saio do banho. Ainda nu, sento-me na beirada da cama e contemplo o nada. Por alguns instantes, sinto o silêncio engolfar o mundo, e em meus ouvidos jorra o mesmo a me inundar os olhos: o nada. Nos pés do leito, há uma calça e uma camisa na vazia espera de se empanturrarem com humana carne. Enxergando e ouvindo o nada, esqueço-me de lhes servir de alimento.
Passo a mão pelo rosto, aperto os cantos dos olhos com o polegar e o indicador, suspiro.
Suspiro longa e profundamente, nutrindo o nada de horizonte e de ausência de som.
Como se a vida me houvesse sido secular, pesa-me cada célula do corpo.
Levantar-me, colocar-me em movimento é extravagante necessidade de um homem que não sou eu – não nesse momento.
O dia deve estar novamente começando sua rotina de luz. Em mim, ainda a noite.
Será que uma cachoeira não se cansa jamais de rolar-se em água dia e noite? De crispar-se nos mesmo respingos, contorcer-se nos mesmos redemoinhos?
Uma rua aceita sempre ser prédios e portas a se abrirem e a se fecharem? Conforma-se em arranhar-se sem cicatrizes pelas rodas dos carros e pelos pés dos homens?
Nesse momento, o nada a me invadir os olhos tem muito mais cor do que todos os meus mesmos dias de sempre, tem mais som do que toda a mesma quotidiana música de minha rotina.
Nu, sentado na beirada da cama, sinto-me útil como um quadro plantado em alva parede, a contemplar o mundo e ser por ele contemplado. Sinto-me útil e aliviado.
Esqueço-me.
De repente, sem que eu saiba ou entenda o porquê, pego-me com a calça e a camisa pregadas ao corpo. Acho-me dentro do meu carro a, de novo, arranhar ruas.
Sou, mais uma vez, seca cachoeira a despencar no abismo do dia.