O Cristo pregado sobre minha cama se esquece do tempo e não lhe pesa o peso dos velhos. Enquanto sob o amontoado de pele enrugada de meu corpo, a buscar refúgio em lençóis e cobertores, parece habitar mil velhos.
Custa-me.
Custa-me respirar, custa me mover, custa-me virar os olhos e enxergar o Cristo.
Antes procurado, o silêncio agora é inoportuna companhia, a repetir-me numa onda de dores: velho...velho...velho...
O que será quando o Silêncio calar o silêncio e eu não mais em dores ouvir: velho...velho...velho...?
Custa-me.
Custa-me fazer meus braços serem braços, meus dedos serem dedos, fazer minha cabeça aninhar-se no travesseiro como a cabeça de quem repousa – o repouso que minha cabeça, que o meu corpo buscam, esse eu ainda não quero.
Custa-me olhar o Cristo e vê-lo de fronte pendida, a me fitar pregado sem cruz no calvário de um monte de lençóis.
Estou atracado ao meu leito, confinado ao horizonte da cabeceira de minha cama, à deriva nas dores.
Um alarme dispara na vizinhança, e me oprime a sensação de ser a chegada de um socorro que me parece injusto – apesar de querê-lo, não sinto razão para que ele venha.
O que será quando o som de uma sirene for apenas o grito entrecortado de auxílio, a asfixiar-se lentamente em meus ouvidos?
O que será quando de meu horizonte se desvanecer o Cristo pregado sobre meu leito?
Entra minha mulher, pergunta-me como estou, passa-me a mão velha na cabeça, deixa-me na testa um beijo seco, um trêmulo afago de velha em meu rosto velho, sussurra-me uma indecisão qualquer à guisa de dizer algo. Antes de sair, pesada e vacilante, dá-me a escolher entre a luz acesa ou apagada: qual prefere?
Balbucio qualquer coisa cansada, com o desejo de dizer: prefiro, acesa ou apagada, a luz que me faça ver melhor.