Um estrondo iluminou o silêncio tão logo a escuridão vergou seu corpo sobre meu pedaço de mundo.
À minha volta, tudo existia sem peso enquanto havia luz: os potes de creme, meus perfumes, a toalha branca, o espelho que não me via, a água quente chovendo da metálica nuvem do chuveiro. Tudo existia sem que eu o percebesse. Tudo existia sem o peso da existência. Até os barulhos no banheiro, em casa, na rua existiam como único e grande ruído a impor sua caótica presença em meus ouvidos. E principalmente, havia minha nudez simples, clara, despida de mistério sob a luz.
Agora, sob o hálito pegajoso da escuridão, tudo me parece ter mil nomes, mil olhos. Tenho a impressão de que os objetos cresceram, mutiplicaram-se, esparramam-se aos meus pés e não posso me mover sem tocá-los.
No escuro, o mundo cresce.
Arrasto com cautela os pés pelo chão molhado, como se um passo em falso me precipitasse em um abismo negro e sem fim. Meu desejo era ficar imóvel, esperando o retorno da luz, mas o banho já está frio. Ouço a água gritar o desespero da queda ao bater no piso e só então me dou conta da necessidade de estancá-la. Fecho a torneira. Incomodou-me profundamente a água gelada escoar-me pelo corpo: o líquido parecia um ser viscoso a me prender em teia insgotavelmente renovada. Causou-me mal-estar as gélidas unhas dos finos dedos de água a me arranharem a pele.
Ainda sinto em meus seios, na barriga, nas costas uma efervescência silenciosa a me eriçar os pêlos; a tornar-me nus em interminável e desconhecido corpo.
Eu poderia tatear o liso corpanzil negro da escuridão à procura da toalha. Mas isso não calaria todas as bocas que, no banheiro, em casa, na rua, insistem em me obrigar a ouvir seus gritos mundanos.
Somente a luz seria capaz de fazer com que eu os jogasse na banal vala da misturada indiferença.
Mas a luz ainda não voltou a afugentar o escuro, fazendo-o esconder-se atrás de tudo e se tornar sombra.
E no escuro, o mundo cresce.