19.11.08

O branco rumor da ausência

Colocado o último tijolo, nada mais me resta a fazer aqui.
Ainda assim, minha figura estática jaz ante a alvenaria caiada dessas duas caixas eternas de cimento. Um homem joga massa no buraco recém-selado, para fazer o reboque. A maioria das pessoas já se afastou. Sinto me puxarem pelo braço, pela cintura, passarem mãos em minha cabeça, e eu não sei se quem o faz é a mesma pessoa ou se são várias. Parece não existir força capaz de me tirar daqui: meu corpo em letargia jaz calado, em pé, também eu caiado de um vazio branco, branquíssimo, a subir pela minha garganta e a secar meu choro.
Lembro-me de que, quando crianças, durante muito tempo, meus filhos alimentaram o mesmo hábito: eu voltava do trabalho e eles me aguardavam escondidos. Deviam ter cinco e sete anos a essa época. Morávamos em casa antiga, dessas com alpendre, muro baixo e portão de ferro, que bastava ser empurrado para abrir a boca metálica e ranger palavras de ferrugem. Eu chegava, tirava o ferrolho e o empurrava, e os sabia ali, agachados, escondidos atrás da folha de ferro do portão, enrolados sobre si mesmos em pequenas conchas humanas, miúdos e contritos como dois bebês à espera do parto, lado a lado eles se cobravam silêncio e me esperavam. Eu fingia distração e eles pulavam sobre mim em gritos de susto fresco a me fazer soltar a mesma expressão de espanto. Apoiados um ao outro, eles riam da minha ingenuidade de sempre ser pego todos os dias no mesmo e repetido susto.
Lembro-me disso enquanto espero o homem alisar a massa. E nada, ninguém vai me tirar daqui até que tudo acabe, até que o homem cole na massa fresca a placa com o nome do meu filho, até que eu veja as placas com os nomes dos meus filhos uma ao lado da outra.
Para eu saber que, ainda, escondidos e atentos, em silêncio, eles me esperam.