19.9.08

Pedido

Não há sombra capaz de aplacar o inclemente sol da necessidade.
A velha solta o corpo sobre a calçada, encosta-se à parede em busca de sombra, apoiando-se sobre a mão esquerda. Os olhos aceitam sem interesse a paisagem ao redor, e os movimentos ainda tímidos da rua lhe são somente cores a correr e a fazer barulho. Os raios do Sol ainda tateiam opacamente o solo, deixando, um pouco mais ao vento, o reinado sobre o dia que nasce. E o vento sopra um monólogo de frio com resto de hálito da noite.
A velha tenta fechar ainda mais a blusa surrada – mas todos os botões estão já fechados. Verga o corpo à frente, encosta o queixo no peito e fica alguns minutos a mover-se como um pêndulo lento e ritmado, ao mesmo tempo em que solta um lamento incompreensível e arrastado.
Não pode esticar as pernas – atrapalharia a passagem na calçada, além de correr o risco de ser pisoteada. Assim, joga os pés para a esquerda, deixando os joelhos ossudos expostos ao desatento bico de sapato de algum passante. Vez ou outra se cansará, e os pés serão lentamente jogados para o lado direito.
Passa, às vezes, a mão direita pelo rosto enrugado, sem jamais se preocupar com quantas rugas germinaram, como erva-daninha, de um dia para o outro. Um sulco a mais na pele seca não lhe será garantia de pão, de alívio, de nada.
Os lábios acusam a ressequidão a lhe brotar do estômago, e se racham. Tornam-se estéril solo, desertificado também pela estiagem de palavras.
Agora, a parede já não lhe pode dar sombra, apenas apoio. E a velha vê aumentar o número de pernas a passar diante de seus olhos, olha com indiferença os sapatos e as sandálias e os tênis que quase lhe beliscam os joelhos.
Automaticamente, ergue a mão direita em concha, estica os dedos magros, e seu braço torna-se pavio retorcido de vela apagada, esperando o sopro metálico que lhe possibilite a vida.