23.7.08

As noites do silêncio

O vapor a sair da xícara de café penetra as narinas do homem, e ainda assim não afasta o perfume da mulher. Música olfativa a reverberar em todos os sentidos dele, o aroma aumenta-lhe o desejo, sufoca-lhe os movimentos como se o mundo girasse em câmera lenta. Os meneios de cabeça dela, o rubro dedilhar do espaço, os lábios encarnados que umedecem palavras, toda a mulher é o calor a abrasar o corpo do homem, que se consome sem a denúncia de movimento de músculo algum.
Ele segura a xícara para ganhar tempo, encontrar algo a dizer, recuperar o fôlego. Mas quanto mais a olha, mais o homem é desejo – e tudo o mais se torna frio adereço a ornar o quadro incandescente que lhe brota no interior.
Vestida com um casaco preto à altura dos joelhos, as pernas cruzadas à lateral da mesa, o pé direito quase tocando a virilha do homem, a mulher olha e espera.
Com um sorriso de quem achou o tom certo para a conversa, ele sopra o líquido com vagar – e as palavras que diria roubam calor do café, e perdem-se pelo ar.
Ela pinga três gotas de adoçante em sua xícara, gira a colher lentamente, e permanece espetando o homem com esfíngicos olhos.
Os lábios dele se enegrecem no líquido ainda quente, o sabor do café adentra-lhe a boca e se apressa em preencher o espaço que o homem quer saber pleno da boca, dos lábios da mulher.
Preso ao silêncio escuro de um dia sem palavras, o sopro continua a lhe jorrar da boca, desnudando a superfície do líquido de aroma e calor, deixando o café exposto à sua noite de pó.
E o homem não sabe que a mulher, vestida apenas e tão somente com o casaco, espera o sopro de seus dedos a desnudá-la, deixando-lhe a pele exposta à silenciosa noite de penumbra, sabores e toques.