5.9.05

Pesadelo entre sonhos

-- Durmam, meninos...durmam...
A noite mal chegou. Há poucas luzes acesas do lado de fora da casa. O rumor de pessoas pela calçada começa agora a aumentar. São poucos, ainda assim, os passos tropeçados em doses de cachaça barata, de homens-cometa que giram órbita incerta, arrastando como cauda o cheiro insuportável de cigarro e bebida.
-- Durmam, meninos...durmam...
A mulher se aproxima dos filhos para ter certeza de que eles já não mais estão despertos. Passa a mão na frente de seus olhos, ausculta suas respirações pesadas e tranqüiliza-se com a certeza: os três só despertarão amanhã ou se um barulho muito grande lhes perturbar o sono.
-- Durmam, meninos...durmam...
Em uma linha de náilon que atravessa o pequeno aposento, dividindo-o, ela pendura um lençol que lhe serve de cortina – na escuridão onde dormem os meninos, sonhos; na penumbra de uma lâmpada de abajur, a vigília em pesadelo.
Ela prende os cabelos com um elástico, joga um pouco de água no rosto, encharca a boca de batom vermelho, carrega a alma de coragem e necessidade. E se dirige para a porta de entrada da casa.
-- Durmam, meninos...durmam...
Daqui a pouco algum cliente terá de chegar, povoando o quarto de interjeições abafadas, apertando-lhe o corpo com mãos sôfregas, esparramando afagos brutos, mordendo palavras indizíveis. E, ao sair, o homem deixará, sobre o criado mudo, a paga de um prazer não ofertado, e levará os espasmos de um prazer imerecido.
Durmam, meninos...durmam...que sobre o criado mudo repousa, na penumbra, o leite que os alimentará amanhã, até a próxima noite de sonhos e pesadelo.