1.8.05

Plenitude

Um par de brincos repousa sobre o criado mudo. A ausência da nudez dela cria vasta planície na cama. Recolhido a uma beirada do leito, habito a estreiteza do vale que me cabe. E de lá, contemplo o par de brincos.
Apóio-me sobre os cotovelos, quero melhor ver as jóias. Tenho desejo de pegá-las. Ameaço tomá-las em minhas mãos e enxergo o lençol amassado pelo corpo dela, o travesseiro ainda marcado por sua cabeça.
Com a ponta dos dedos, aliso as feridas que ela deixou no tecido; tateio os suspiros deixados impressos no travesseiro; recolho as voltas de suas coxas, o contorno de seus quadris sinalizados em rotas que percorremos juntos durante a noite. É longo o caminho que me separa do par de brincos. Longo e intransponível com a presença vazia dela.
Ao fechar a porta após sair, ela arrastou consigo o ar que havia no quarto, secou a enchente de luz que inundava o aposento, plantou no meu corpo uma semente que se torna frondoso desejo quando estou longe dela – e todo o meu anseio é que ela faça a colheita.
Prostro-me sobre o leito onde, ainda ontem, havia a mulher.
Aspiro o perfume incensado nas fibras do lençol.
Perfume que demarca onde eu termino e onde ela começa, plena, para criar nós.